Espero que a noite, ou o que restou dela, te tenha dado a oportunidade de repousares um pouco esse teu corpo fatigado. Eu consegui descansar o que me foi permitido e, durante o sono turbulento, sonhei com a efémera, aquela que nos juntou...Penso e vejo que realmente os dias são demasiado lacónicos para uma vida auspiciosa como a minha, que ambiciona ser eterna e repleta de surpresas. Assim, os momentos deverão ser saboreados e vividos milímetro a milímetro para que nada se perca, num remoinho estonteante de emoções. Há que perpetuar o Carpe Diem que nos empurra e estimula a arriscar. Não me arrependo desta noite -corações a bater alto num leve sufoco, olhos que se despem ao som de uma luxúria que fere com suaves golpes de prazer, e corpos que se moldam numa crescente onda de gemidos e suspiros -porque haveria de me arrepender? Gostei de desvendar o mistério que se prendia em torno da tua pessoa. Num momento ou outro, as pessoas acabam por tornar-se tão previsíveis, e a diferença que nos inquieta acaba por dar lugar ao vulgar, outrora transcendente. No entanto, esse teu ar de menino, que se esconde por detrás dessa faceta rebuscada de homem imponente e invencível, dá-te outro tempero. Adoro ver o empenho com que tentas manter a aparência de que te preocupas com o meu bem-estar, neste espaço com vista para o Atlântico, e a forma como seguras o cigarro entre os dedos, dando-te um ar de inatingível, faz-me querer antecipar o inevitável, desistindo logo ali de prolongar o momento. É tão engraçado ver-te teorizar sobre tudo de forma eloquente. Tens sempre o cuidado de encontrar um complemento teórico que sustente o teu discurso. És culto e eu gosto disso num homem. Tens as tua inseguranças tal como eu tenho as minhas, mas possuis um enorme segredo bem recalcado no teu íntimo, tal como eu, que nos aguça o apetite e nos aproxima. É este o quadro que posso pintar a teu respeito, pois não me deste mais tintas para que possa termina-lo. Escrevo nesta tela palavras em tons ígneos, tal como os meus cabelos, de que tanto gostas. Adoras agarra-los com altivez e alguma brusquidão, enquanto me mordiscas lentamente o pescoço, como preparação para o ritual vampírico onde ele será torturado com uma avidez desmedida, pela tua boca sequiosa de sangue. A dada altura a razão deixa de ter importância e o desejo acaba por sucumbir perante tal cenário. As ondas lá fora deixam de se fazer ouvir e apenas passa a existir o "eu"e o "tu" neste mundo tão grande como uma bola de berlinde. Esta noite combinou dor e prazer... A combinação perfeita numa miscelânea de sentimentos. Apenas uma noite. Não vou querer mais. Não vou querer saber mais sobre ti. Não vou querer infiltrar-me na tua vida. Amanhã voltaremos a rodear-nos pelas velhas convenções sociais e imperativos morais, e cumprimentar-nos-emos como dois conhecidos que um dia foram abençoados pelo chamamento da efémera.... **05**
